Quando minha cachorra era viva eu sempre tive pena de ver a tristeza que ela tinha quando ficava olhando o movimento na rua atras do portão ou parada na porta da sala. Uma boxer, cachorro que gosta de ambientes abertos como uma fazenda. Os cachorros do meu avô viviam em um sítio e nunca os vi com aquele jeito frustrado, apesar de dormirem muito, como minha cachorra. Mas ela nunca esteve num ambiente assim. O mais aberto onde ela esteve eram as ruas asfaltadas do bairro.
Muitas pessoas têm em casa tartarugas, macacos e outros animais. Acho isso bom, pois só tem esses animais em casa quem gosta deles, portanto irão tratá-los bem e procurar se informar sobre alimentação e tal. Um ambiente aberto e tal. Melhor do que em um zoológico, trancados em jaulas observando o mundo lá fora sem poder sair, a vida inteira. A vantagem é que estão com outros de sua espécie. Mas o maior absurdo é manter leões, girafas e outros animais de grande porte, e mesmo pequenos como aves ou animais aquáticos.
As pessoas só se preocupam com alguma coisa quando estão dentro do problema ou já passaram por aquilo e sabem como é difícil. Não é fácil se preocupar com um problema que não sentimos na pele. Mas tente imaginar passar dois anos em uma jaula de 10x10 com um computador conectado à internet. Apenas isso. É mais ou menos proporcional à vida que animais selvagens levam em zoológicos, com pouca coisa que dá a eles uma pequena noção de como é a vida fora dali.
Mas consideremos que esses animais em sua maioria nasceram no cativeiro e só conhecem essa vida. Eles não sentem falta da vida selvagem pois não sabem que ela existe. Mas são frustrados pois sentem falta de liberdade e muita coisa que nem sabem o que é. Não sou o primeiro nem o último a pensar nisso, esses animais deveriam estar em seu ambiente natural para serem felizes.
Agora pensemos em um alcóolatra ou um viciado em drogas. Conheci um cara que começou a fumar cigarro e depois maconha. Sempre falando que quer parar mas não consegue. Quando fica três dias sem fumar maconha conta isso com orgulho. Mas o cérebro se acostumou com o prazer limitado que tais substâncias proporcionam e não quer largá-las. Outro problema que temos, ao contrario de viciados, que percebem que sua saúde está se deteriorando, as vezes ficamos tão obscecados por fazer ou terminar alguma coisa que perdemos a noção dos problemas que podemos ter, como um trabalho a terminar, um projeto, um garoto ao video-game e outras coisas. Só quem está de fora percebe a furada em que estamos.
Lembro de uma reportagem sobre naturistas. Uns mais radicais, que se mudaram para uma praia naturista, larguando pra trás a vida estressante em São Paulo. Sem sentir falta de nada. Em um texto muito interessante de Raul Seixas, Anarkland, onde ele fala sobre um pequeno país de dez mil habitantes que vivem na mais pura anarquia. Sem polícia, pois não há ladrões, pois não há dinheiro. Todos vivem felizes trabalhando em comunidade, sem toda a tecnologia do resto do mundo. Para o repórter que fez uma "entrevista" com um dos moradores, tudo era um absurdo. Já o morador pensava da mesma forma antes de experimentar, e não quis mais sair de lá. Aqui vai um trecho:
- Sr. Lemmiuns, o senhor não sente falta de ir a um cinema? Eu soube que não há nada assim por aqui. Diversões públicas...
- Ah, ah, ah. Já fui muito fã de cinema quando eu morava na cidade... mas isso já faz muito tempo. Era quando eu era infeliz, e o cinema foi feito pra uma breve descarga de tristeza em troca de algumas risadas ou entretenimento. Como eu já não sofro, não preciso de palitativos tipo cinema, vê? O sistema autoritário é mais monstruoso do que se imaginava; a busca de desejos, vitrinas, se formar, ser rico, tudo isso não passa de uma tola fuga de infelicidade.
Pensou bem nisso? Blz.
Neste momento faz um mês que estou de férias na escola. Estou totalmente cansado por ficar em casa ou com a turma tomando tereré e conversando. Pode ser legal, mas de vez em quando. Ficar assim cansa mais a cabeça do que durante as aulas. E eu estudo de manhã e a noite em outra cidade. O que também cansa. Não sou o único cansado desse marasmo das férias, que todos esperam durante seis meses. Falta alguma coisa, mas não me lembro de nada que pudesse estar fazendo. Viajar é legal, mas por estar em um lugar desconhecido, com coisas novas. Mas quanto mais tempo você passa nesse lugar novo, menos interessante ele é.
Tudo cansa. Mas será que nós conhecemos tudo? Como é bom deitar ao ar livre e esquecer de tudo olhando para o céu. Toda vez que vejo um animal preso, como um cachorro no quintal limitado de uma casa, penso como seria bom para ele estar em seu habitat natural. Mas ele não deve sentir falta de tal ambiente, pois não o conhece. Assim como nós não conhecemos. Hoje é impossível imaginar a humanidade em outro habitat que não o concreto e tijolos, na segurança. Quem sabe não seja esta a causa daquele sentimento de "falta alguma coisa, mas não sei o que é".
Daniel Coelho, 7/1/2001
postado em 20/04/2011
obs.: sigo essa linha de pensamento nos seguintes textos:
Selvagens na Jaula
As vezes esqueço que o bicho homem considera uma ofensa ser chamado de animal.
Manifesto pela Natureza Humana
Culturas criam regras artificiais para combater a natureza humana. É feio ser diferente.
Anarkland, texto de Raul Seixas